Eu poderia listar aqui muitas vantagens em fazer um curso de escrita criativa. Ainda assim, haveria vários críticos afirmando que tais cursos buscam engessar, formatar, empacotar a escrita, de forma a perder a essência da arte. Ou argumentos parecidos.
Mas vou me concentrar em apenas um argumento específico: a importância que esses cursos têm para despertar a escrita presa na garganta de mulheres que jamais foram encorajadas a escrever.
Forçar a passagem
Por muitos séculos, mulheres têm sido incentivadas a cuidar de atividades “tipicamente femininas”, o que não inclui ser escritora. Por muito tempo, autoras que ousaram escrever e publicar tiveram que fazê-lo sob pseudônimos masculinos, desde as irmãs Brontë até J. K. Rowling.
Dados recentes ainda mostram que mais de 70% dos livros publicados por grandes editoras no Brasil são escritos por homens (Pesquisa realizada pela UNB, divulgada pela revista Cult em 2018). Nos desafios de redes sociais propostos para contabilizar quantos livros de mulheres existem em nossas estantes ou quantos livros de mulheres lemos no ano, a resposta nos mostra que o hábito de ler livros escritos por mulheres ainda é menor.
Muitos leitores afirmam que não escolhem seus livros pelo gênero ou raça de seus escritores. Mas a verdade é que historicamente a sociedade já escolheu esses livros por gênero e raça. E que, se não ficarmos atentos a isso, nossas prateleiras estarão sempre cheias de livros de homens brancos, assim como nossas listas de lidos e preferidos.
Essa situação começa a ser revertida, pois cada vez mais as mulheres estão se levantando e forçando a passagem. Porque cada vez mais existem movimentos feministas entre leitoras e leitores com a hashtag #leiamaismulheres. E, finalmente, porque há uma movimentação, principalmente vinda daquelas que começaram a forçar essa passagem, incentivando outras mulheres na escrita.
A síndrome da impostora e o machismo estrutural
Fiz alguns cursos e oficinas de escrita recentemente e neles observei que a maioria esmagadora entre os que se inscrevem e assistem às aulas é de mulheres.
Talvez não haja muitos homens que achem que possam aprender sobre escrita com uma professora mulher. Mas o principal motivo que vejo para essa maioria nos cursos é que essas mulheres estavam com suas escritas trancadas e oprimidas. E precisam de ferramentas que as fortaleçam para escrever e publicar.
Dentre as perguntas mais recorrentes que são feitas a quem ministra esse tipo de curso, certamente a campeã é sobre a chamada “síndrome do(a) impostor(a)”. Essa “síndrome”, nem um pouco patológica, nada mais é do que insegurança, não se achar tão capaz assim para escrever, publicar, dar aulas.
Para nós mulheres essa “síndrome” é apenas mais uma face do machismo estrutural. Temos receio de publicar, a menos que tenhamos absoluta certeza de que o texto está perfeito. Por quê? Pois somos historicamente julgadas e cobradas por cada mísero detalhe de nossas vidas.
Eu nunca gostei de papo motivacional/coach. E confesso que quando vi algumas aulas nessas oficinas sobre romper com perfeccionismo, ou com a tal “síndrome”, pensei “OK, vou me concentrar nas técnicas de escrita”.
Mas percebi que mesmo eu sendo uma mulher feminista e bem resolvida, que sempre publiquei meus textos e desde criança fui encorajada por meus pais a pensar diferente, a ser curiosa e questionar o porquê das coisas, mesmo com tudo isso em minha formação, eu às vezes possuo meus momentos de insegurança. Também sou atingida e ferida pelos julgamentos da sociedade. Também me vi titubeando em algumas atividades, com receio de não ser capaz.
Entendi que esses discursos aparentemente “motivacionais”, entre nós mulheres têm um nome: sororidade. É o simples ato daquela que forçou passagem dar a mão e puxar as outras. Sim, neste caso estou falando principalmente sobre as mulheres que dão aulas de escrita.
Há vários colegas homens que por muitas vezes nos incentivam a fazer alguma coisa, com as melhores intenções. Também não duvido de que haja homens que passem por momentos de insegurança em suas atividades. Mas o fato é que eles não passam pelos julgamentos e barreiras que nós mulheres passamos e não falarão a mesma língua do que aquelas que enfrentam tudo isso.
Aprender as técnicas também é fortalecer
Mas fortalecer as mulheres na escrita não passa simplesmente pelo desmonte de alguns monstros que assombram nossa coragem de escrever e publicar. Estudando escrita criativa, aprendi muito sobre as ferramentas do texto, sobre os gêneros literários, como planejar e construir o texto e os personagens.
Conhecer as ferramentas textuais não serve para engessar minha escrita. Estudar as técnicas pode servir até mesmo para distorcê-las, mudar o caminho, inovar. E nos dá, sobretudo, segurança e liberdade para fazê-lo.
Cada escritor ou escritora pode optar por utilizar ou não algumas dessas ferramentas de escrita, exercer sua plena liberdade no ato de escrever. Mas quem se abstém de utilizar deve respeitar aqueles e aquelas que ensinam e aprendem essas técnicas.
Sim, sempre se trata de ter segurança. Essa segurança podemos obter através de argumentos e conselhos vindos de quem enfrentou muitas barreiras. Faz diferença que alguém que meteu o pé na porta nos diga “vamos juntas”. E a segurança também vem através do compartilhamento de conhecimento, das mais variadas técnicas de escrita. Encontrei tudo isso estudando escrita criativa.
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